Muito tempo atrás, numa
noite de fase nova, a lua perdeu uma de suas filhas. Aproveitando-se da distração da
mãe, que havia voltado as costas para o mundo, desprendeu-se do manto do céu,
caiu no mar e, alcançando a praia, tomou a forma de uma mulher.
Vagou durante algum tempo pelo litoral, solitária e nua
naquela noite quente de verão. Por fim, avistou alguém que vinha ao longe,
montado a cavalo. Teria sido um grande infortúnio se o cavaleiro fosse um
salteador perverso, pois a filha da lua era bela como o céu estrelado de uma
noite de verão, porém indefesa como uma rosa sem espinhos. Entretanto, para sua
sorte e alegria, quem vinha era o Cavaleiro Branco.
Dizia-se que era o mais honrado e bravo cavaleiro que jamais
existira. Era assim chamado por cavalgar sempre um corcel imaculadamente branco
e trajar um manto da mesma cor. Vencera inúmeros duelos e ganhara honrarias em
diversas batalhas. Não era especialmente belo, mas possuía um temperamento
amável e modesto.
E
era ele quem a filha da lua pensava em encontrar quando abandonou seu lugar no
céu. Observara-o por noites sem fim, admirado seus atos de bravura, suspirando
por seus modos gentis.
O
Cavaleiro Branco, vendo a donzela sozinha e desprotegida, parou para acudi-la.
Ela era esquia, com um rosto delicado em forma de coração, longos cabelos
prateados e olhos azuis de tempestade. Não podia deixá-la abandonada à própria
sorte. O cavaleiro perguntou de onde vinha e por que motivo estava ali. Ela
disse que era de um lugar distante, tão distante que jamais poderia voltar.
Disse que viera para ser de alguém. Ele lhe perguntou qual era o seu nome e a
qual família pertencia.
-
Dervana – ela lhe respondeu - , mas penso que minha família jamais me quererá
de volta.
Apiedado
com condição da moça, o cavaleiro levou-a até a corte onde vivia e servia. Lá
Dervana, a filha da lua, foi recebida entre as donzelas e damas de companhia,
vestida em belos vestidos de seda e veludo e honrada com elogios a sua beleza. O
Cavaleiro Branco a tratava mais gentilmente do que a qualquer um. Era como
viver em um sonho bom.
Entretanto,
seu sonho começou a fenecer quando lhe contaram que seu Cavaleiro Branco havia
sido prometido à outra, uma donzela de alto nascimento, tão bela quanto desagradável.
A pobre filha da lua, em sua inocência, não pensara que uma donzela sem
sobrenome nem dote jamais seria dada em casamento a um homem de tão nobre
reputação.
O
tempo se passava e, mesmo com o coração partido, Dervana continuava sendo
encantadora aos olhos de todos. Durante o dia, em companhia de outras donzelas,
caminhava pela praia ou pelos jardins, onde bordavam e cosiam à sombra das
árvores. À noite, cantava nos grandes salões, com uma voz bela e suave. O
Cavaleiro Branco sempre aparecia para ouvi-la, e nessas ocasiões tinha os olhos
repletos de afeto e de certa tristeza.
Porém, quando o sol se deitava, a filha da lua
não ousava sair a céu aberto. Temia que a mãe a encontrasse e a punisse por sua
fuga.
De
fato, a lua procurava por sua filha, mas não a encontrava. Talvez nunca a
tivesse encontrado, não fosse a desventura que se seguiu.
Invejosa
dos olhares e tratamentos que o Cavaleiro Branco dispensava à donzela e
desconfiada de seus cabelos prateados, sua prometida buscou a origem da rival em
velhos livros de magia. Encontrou então um que dizia que, às vezes, uma filha
da lua se encantava por um homem humano, deixando mãe e irmãs e assumindo a
forma de uma mulher de cabelos prateados e olhos azuis escuros, para viver com
ele.
Era
uma noite de lua crescente quando a noiva do Cavaleiro Branco dirigiu-se à
praia para falar com a lua.
-
Sei onde está sua filha fugida – ela disse – Está na corte deste reino, e no
momento tenta seduzir meu noivo, o Cavaleiro Branco.
-
Então foi o Cavaleiro Branco que levou minha filha? – respondeu-lhe a lua – Maldito
seja ele, que recorreu a mim no passado e agora esconde o que me é precioso.
Então,
a noiva do cavaleiro revelou a verdadeira intenção com a qual fora até ali:
-
Posso devolver sua filha, mas com uma condição: em troca, quero que faça meu
noivo esquecer-se dela completamente. Quero que seja como se ele nunca a
tivesse encontrado. E quero que sua filha seja castigada.
- Assim será – assentiu a lua. – Traga-me minha
filha daqui a algumas noites, quando minha face estiver plena no céu. Então
terei força para carregá-la de volta, e poder para enfeitiçar seu prometido.
Assim
combinado, a prometida do Cavaleiro Branco retornou ao castelo. Aproveitando-se
da grande influência da qual desfrutava, ordenou que Dervana fosse trancada
numa torre e que nada se falasse sobre seu paradeiro. Pretendia mantê-la
aprisionada até a chegada da lua cheia, quando a devolveria à mãe, se livraria
de sua companhia indesejável e ficaria satisfeita com castigo que a outra
receberia.
A
filha da lua lamentava-se em sua prisão solitária. Se nunca pudera ter o amor
de seu cavaleiro, antes ao menos podia vê-lo, trocar com ele algumas palavras
inocentes, cantar belas canções para que ele ouvisse. Ali, nada podia fazer
senão esperar e temer o dia em que seria enviada para longe dele.
Não
se passaram muitos dias antes que o Cavaleiro Branco notasse a ausência de sua
protegida nos salões. Desconfiado pelo repentino desaparecimento, certa noite foi
perguntar à sua noiva o que teria acontecido a ela.
-
Sua favorita era uma filha da lua – ela lhe disse, com amargor – Seduziu-o com
seus encantos e teria roubado-o de mim. Mas certamente viu que não conseguiria
e envergonhou-se, pois acho que pretende acabar com a própria vida. Vi-a
atirar-se ao mar – mentiu, esperando que assim ele a esquecesse.
Mas ao ouvir essas palavras, o Cavaleiro Branco temeu
pela filha da lua. Esquecendo sua honra e o cuidado de não revelar o que
sentia, correu para a praia, sem que a prometida conseguisse impedi-lo.
Chegando lá, atirou-se ao mar, esperando ainda encontrar sua amada e trazê-la
de volta.
Do alto de sua torre, Dervana viu o cavaleiro jogar-se ao
mar e lutar contra as ondas enquanto a procurava. Temendo a morte do amado, arriscou-se
pulando a janela e descendo pelas plantas trepadeiras que revestiam a torre. Se
não conseguisse ajudá-lo sozinha, poderia ao menos implorar para que a mãe o
fizesse.
Porém, antes que conseguisse chegar segura ao
chão, o galho no qual de apoiava quebrou, derrubando-a e ferindo-a gravemente.
A noiva correu até a torre para buscar Dervana, pois
sabia que só a visão dela faria seu prometido deixar o mar. Depois encontraria
uma explicação para sua mentira. Quando chegou à torre e a encontrou vazia,
enfureceu-se. Pensou que tinha sido traída, que um dos guardas tivesse
libertado sua prisioneira. Descontrolou-se, gritando com os guardas:
- Quem de vocês a libertou? Quem me desobedeceu? Quem?
Quem? Quem?
Enquanto isso, fora do castelo, a filha da lua finalmente
alcançara a praia. Entretanto, estava ferida e fraca demais, e só viveu o
suficiente para ver seu pobre cavaleiro ser tragado pelo mar, sem forças, ainda
procurando por ela e chamando seu nome.
A lua, ressentida do cavaleiro que lhe roubara a filha,
nada fez para ajudá-lo. E, sem sua plena força, nada pode fazer quando viu a
filha morrer e transformar-se em suave areia da praia. Porém, atendendo ao
pedido das outras filhas, que choravam a irmã para sempre perdida, apiedou-se
dos enamorados.
Assim, de tempos em tempos, vira o rosto para o mundo e
finge nada ver enquanto a maré sobe e o Cavaleiro Branco, transformado num
espírito do mar, vem em suaves ondas beijar sua amada na areia da praia.
E a noiva do cavaleiro, culpada pelo ocorrido, foi transformada
pela lua em coruja, condenada para sempre a falar uma língua que ninguém
entendesse, para que não pudesse mais provocar desgraças.
Mas ainda hoje ela sai pela noite, procurando quem a
desobedeceu, perguntando com seu olhar acusador: “Who? Who? Who?”.
Conto publicado originalmente na antologia Tratado Secreto de Magia - Volume 2, pela Andross Editora.