sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A Filha da Lua


Muito tempo atrás, numa noite de fase nova, a lua perdeu uma de suas filhas. Aproveitando-se da distração da mãe, que havia voltado as costas para o mundo, desprendeu-se do manto do céu, caiu no mar e, alcançando a praia, tomou a forma de uma mulher.
            Vagou durante algum tempo pelo litoral, solitária e nua naquela noite quente de verão. Por fim, avistou alguém que vinha ao longe, montado a cavalo. Teria sido um grande infortúnio se o cavaleiro fosse um salteador perverso, pois a filha da lua era bela como o céu estrelado de uma noite de verão, porém indefesa como uma rosa sem espinhos. Entretanto, para sua sorte e alegria, quem vinha era o Cavaleiro Branco.
            Dizia-se que era o mais honrado e bravo cavaleiro que jamais existira. Era assim chamado por cavalgar sempre um corcel imaculadamente branco e trajar um manto da mesma cor. Vencera inúmeros duelos e ganhara honrarias em diversas batalhas. Não era especialmente belo, mas possuía um temperamento amável e modesto.
E era ele quem a filha da lua pensava em encontrar quando abandonou seu lugar no céu. Observara-o por noites sem fim, admirado seus atos de bravura, suspirando por seus modos gentis.
O Cavaleiro Branco, vendo a donzela sozinha e desprotegida, parou para acudi-la. Ela era esquia, com um rosto delicado em forma de coração, longos cabelos prateados e olhos azuis de tempestade. Não podia deixá-la abandonada à própria sorte. O cavaleiro perguntou de onde vinha e por que motivo estava ali. Ela disse que era de um lugar distante, tão distante que jamais poderia voltar. Disse que viera para ser de alguém. Ele lhe perguntou qual era o seu nome e a qual família pertencia.
- Dervana – ela lhe respondeu - , mas penso que minha família jamais me quererá de volta.
Apiedado com condição da moça, o cavaleiro levou-a até a corte onde vivia e servia. Lá Dervana, a filha da lua, foi recebida entre as donzelas e damas de companhia, vestida em belos vestidos de seda e veludo e honrada com elogios a sua beleza. O Cavaleiro Branco a tratava mais gentilmente do que a qualquer um. Era como viver em um sonho bom.
Entretanto, seu sonho começou a fenecer quando lhe contaram que seu Cavaleiro Branco havia sido prometido à outra, uma donzela de alto nascimento, tão bela quanto desagradável. A pobre filha da lua, em sua inocência, não pensara que uma donzela sem sobrenome nem dote jamais seria dada em casamento a um homem de tão nobre reputação.
O tempo se passava e, mesmo com o coração partido, Dervana continuava sendo encantadora aos olhos de todos. Durante o dia, em companhia de outras donzelas, caminhava pela praia ou pelos jardins, onde bordavam e cosiam à sombra das árvores. À noite, cantava nos grandes salões, com uma voz bela e suave. O Cavaleiro Branco sempre aparecia para ouvi-la, e nessas ocasiões tinha os olhos repletos de afeto e de certa tristeza.
 Porém, quando o sol se deitava, a filha da lua não ousava sair a céu aberto. Temia que a mãe a encontrasse e a punisse por sua fuga.
De fato, a lua procurava por sua filha, mas não a encontrava. Talvez nunca a tivesse encontrado, não fosse a desventura que se seguiu.
Invejosa dos olhares e tratamentos que o Cavaleiro Branco dispensava à donzela e desconfiada de seus cabelos prateados, sua prometida buscou a origem da rival em velhos livros de magia. Encontrou então um que dizia que, às vezes, uma filha da lua se encantava por um homem humano, deixando mãe e irmãs e assumindo a forma de uma mulher de cabelos prateados e olhos azuis escuros, para viver com ele.
Era uma noite de lua crescente quando a noiva do Cavaleiro Branco dirigiu-se à praia para falar com a lua.
- Sei onde está sua filha fugida – ela disse – Está na corte deste reino, e no momento tenta seduzir meu noivo, o Cavaleiro Branco.
- Então foi o Cavaleiro Branco que levou minha filha? – respondeu-lhe a lua – Maldito seja ele, que recorreu a mim no passado e agora esconde o que me é precioso.
Então, a noiva do cavaleiro revelou a verdadeira intenção com a qual fora até ali:
- Posso devolver sua filha, mas com uma condição: em troca, quero que faça meu noivo esquecer-se dela completamente. Quero que seja como se ele nunca a tivesse encontrado. E quero que sua filha seja castigada.
-  Assim será – assentiu a lua. – Traga-me minha filha daqui a algumas noites, quando minha face estiver plena no céu. Então terei força para carregá-la de volta, e poder para enfeitiçar seu prometido.
Assim combinado, a prometida do Cavaleiro Branco retornou ao castelo. Aproveitando-se da grande influência da qual desfrutava, ordenou que Dervana fosse trancada numa torre e que nada se falasse sobre seu paradeiro. Pretendia mantê-la aprisionada até a chegada da lua cheia, quando a devolveria à mãe, se livraria de sua companhia indesejável e ficaria satisfeita com castigo que a outra receberia.
A filha da lua lamentava-se em sua prisão solitária. Se nunca pudera ter o amor de seu cavaleiro, antes ao menos podia vê-lo, trocar com ele algumas palavras inocentes, cantar belas canções para que ele ouvisse. Ali, nada podia fazer senão esperar e temer o dia em que seria enviada para longe dele.
Não se passaram muitos dias antes que o Cavaleiro Branco notasse a ausência de sua protegida nos salões. Desconfiado pelo repentino desaparecimento, certa noite foi perguntar à sua noiva o que teria acontecido a ela.
- Sua favorita era uma filha da lua – ela lhe disse, com amargor – Seduziu-o com seus encantos e teria roubado-o de mim. Mas certamente viu que não conseguiria e envergonhou-se, pois acho que pretende acabar com a própria vida. Vi-a atirar-se ao mar – mentiu, esperando que assim ele a esquecesse.
            Mas ao ouvir essas palavras, o Cavaleiro Branco temeu pela filha da lua. Esquecendo sua honra e o cuidado de não revelar o que sentia, correu para a praia, sem que a prometida conseguisse impedi-lo. Chegando lá, atirou-se ao mar, esperando ainda encontrar sua amada e trazê-la de volta.
            Do alto de sua torre, Dervana viu o cavaleiro jogar-se ao mar e lutar contra as ondas enquanto a procurava. Temendo a morte do amado, arriscou-se pulando a janela e descendo pelas plantas trepadeiras que revestiam a torre. Se não conseguisse ajudá-lo sozinha, poderia ao menos implorar para que a mãe o fizesse.
 Porém, antes que conseguisse chegar segura ao chão, o galho no qual de apoiava quebrou, derrubando-a e ferindo-a gravemente.
            A noiva correu até a torre para buscar Dervana, pois sabia que só a visão dela faria seu prometido deixar o mar. Depois encontraria uma explicação para sua mentira. Quando chegou à torre e a encontrou vazia, enfureceu-se. Pensou que tinha sido traída, que um dos guardas tivesse libertado sua prisioneira. Descontrolou-se, gritando com os guardas:
            - Quem de vocês a libertou? Quem me desobedeceu? Quem? Quem? Quem?
            Enquanto isso, fora do castelo, a filha da lua finalmente alcançara a praia. Entretanto, estava ferida e fraca demais, e só viveu o suficiente para ver seu pobre cavaleiro ser tragado pelo mar, sem forças, ainda procurando por ela e chamando seu nome.
            A lua, ressentida do cavaleiro que lhe roubara a filha, nada fez para ajudá-lo. E, sem sua plena força, nada pode fazer quando viu a filha morrer e transformar-se em suave areia da praia. Porém, atendendo ao pedido das outras filhas, que choravam a irmã para sempre perdida, apiedou-se dos enamorados.
            Assim, de tempos em tempos, vira o rosto para o mundo e finge nada ver enquanto a maré sobe e o Cavaleiro Branco, transformado num espírito do mar, vem em suaves ondas beijar sua amada na areia da praia.
            E a noiva do cavaleiro, culpada pelo ocorrido, foi transformada pela lua em coruja, condenada para sempre a falar uma língua que ninguém entendesse, para que não pudesse mais provocar desgraças.
            Mas ainda hoje ela sai pela noite, procurando quem a desobedeceu, perguntando com seu olhar acusador: “Who? Who? Who?”.



Conto publicado originalmente na antologia Tratado Secreto de Magia - Volume 2, pela Andross Editora.

Um comentário: