segunda-feira, 31 de março de 2014

Quatro Estações - Primeiro Movimento

Encontraram-se pela primeira vez naquela esquina onde a Rua Augusta se encontra com a Paulista, um dos lugares favoritos dos músicos de rua de São Paulo. Era verão, e os cabelos ruivos dela pareciam faiscar ao sol. Os olhos verdes não miravam ninguém: a atenção era dividida apenas entre o violino no qual tocava Vivaldi e o estojo do mesmo, onde os ouvintes itinerantes depositavam suas moedas (ou, com muita sorte, uma ou duas notas pequenas).
Ele derretia dentro do terno preto, sapatos pretos e meias pretas. A luz do sol não acrescentava atrativo nenhum aos cabelos escuros, e os olhos escuros cansados prestavam atenção apenas no caminho, mas os ouvidos eram menos obedientes: a música o capturou.
Pensou em parar apenas por um minuto. Em seguida, escolheu escutar a música até o fim. Decidiu esperar para cumprimentar a violinista. Finalmente, sem saber ao certo como, estava convidando-a para tomar um café um dia desses, quem sabe, ao final do expediente dele.
E foi assim que tudo começou, num dia de verão.
Ele pensava que ela parecia uma gata de rua: ousada e orgulhosa, o corpo ondulando ao caminhar, as costas  se arqueando quando se espreguiçava, a displicência com a qual sentava-se e cruzava as pernas. Os olhos verdes sempre brilhavam, e ela sorria como quem sabe um grande segredo do mundo. Amorosa e livre, doce e voluntariosa. Sempre leve. Uma gata de rua.
Ela ria do mundo regrado dele, do emprego com cartão de ponto, dos ternos. Mas gostava de saber que ele sempre estaria por perto, e gostava do chá que ele fazia toda manhã.
Ela era aquilo que coloria seus dias.
Ele era sua âncora na vida.
Ele a levou a lugares elegantes, a ensinou a escolher vinhos, deu-lhe um arco de pau-brasil para seu violino. Ela o ensinou a gostar de filmes franceses e de concertos, e aos domingos o acordava com uma música e fazia bolo de limão.
E dessa maneira, entre os vinhos e o som do violino, eles passaram o outono.
Quando ele chegava em casa, nos dias mais frios, a encontrava quase totalmente imersa na banheira, apenas o rosto fora d'água, cabelos vermelhos boiando ao redor. Chegara mais cedo. Não se fazia muito dinheiro com música de rua no inverno, e era difícil tocar com os dedos gelados. Pela casa inteira sentia-se o doce perfume de flores dos sais de banho que ela usava - presentes dele, luxo que ela nunca tivera antes. Não que ela fizesse questão desse tipo de coisa, mas os sais deixavam sua pele com um cheiro que ele adorava, uma mistura de flor de cerejeira com algo que era totalmente dela.
Numa dessas noites, ela o puxou para dentro da banheira, de terno e sapatos de couro. Em outros tempos, ele teria ficado profundamente aborrecido - um terno sob medida e sapatos caríssimos, como pode fazer isso? Mas, daquela vez, apenas riu enquanto ela o ajudava a livrar-se das roupas.

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