Caminhava pela noite de jaqueta de couro e coturnos, a passos pesados e apressados, mas era a suavidade de um jazz que fluía pelos fones de ouvido do music player, enquanto Nina Simone cantava apenas para ela. A voz encorpada, negra e melancólica, reverberava nas lembranças de momentos atrás e apertava-lhe o coração como a prensa da saudade, mas ainda não havia motivo para isso. Ou havia? Era melhor não questionar demais.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
domingo, 23 de junho de 2013
Ariranhas
Meu pai gostava de ariranhas.
E de assistir a concertos de música clássica na televisão, de tortas de banana e do Frank Sinatra. De tocar piano nas manhãs dos fins de semana, acordando quem ainda estivesse dormindo, de pintar quadros escuros abstratos e de falar ao telefone com os amigos de longa data. De ler revistas, de vinho tinto e dos Demônios da Garoa. Também gostava de gritar com a gente de vez em quando.
Gostava de ver reportagens sobre ufologia e assuntos sobrenaturais, e achava ridículo o medo que eu tinha dessas coisas quando criança.
Gostava de contar histórias de quando voava de avião e saltava de asa-delta e usava gravatas-borboleta. De me contar a história de uma boneca estragada que ganhou vida porque encontrou alguém que a amava como ela era.
Gostava de saber que eu estava aprendendo francês e violino.
Mas agora mesmo, o que me fez chorar foi que, depois de tantos anos, senti vontade de ir ao zoológico, e lembrei que meu pai gostava mais das ariranhas.
E de assistir a concertos de música clássica na televisão, de tortas de banana e do Frank Sinatra. De tocar piano nas manhãs dos fins de semana, acordando quem ainda estivesse dormindo, de pintar quadros escuros abstratos e de falar ao telefone com os amigos de longa data. De ler revistas, de vinho tinto e dos Demônios da Garoa. Também gostava de gritar com a gente de vez em quando.
Gostava de ver reportagens sobre ufologia e assuntos sobrenaturais, e achava ridículo o medo que eu tinha dessas coisas quando criança.
Gostava de contar histórias de quando voava de avião e saltava de asa-delta e usava gravatas-borboleta. De me contar a história de uma boneca estragada que ganhou vida porque encontrou alguém que a amava como ela era.
Gostava de saber que eu estava aprendendo francês e violino.
Mas agora mesmo, o que me fez chorar foi que, depois de tantos anos, senti vontade de ir ao zoológico, e lembrei que meu pai gostava mais das ariranhas.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
Em defesa da Barbie
“A Barbie ensina as crianças a serem putas”, disse a historiadora Mary del Priore ao site da revista TPM numa entrevista há alguns anos, a qual li recentemente. Segundo ela, as Barbies transformam as meninas em mulheres fúteis e consumistas, que só pensam em roupas e em fitness. E não estão nem aí pro Ken, aquele pobre diabo apaixonado (a descrição é por minha conta).
Mas será?
Não posso falar por todas as meninas que brincaram de Barbie nem por todas as putas, mas posso falar por mim.
E digo que a senhora del Priore está certa. Eu, que a certo ponto da infância passei a rejeitar as bonecas bebês e a desejar só bonecas Barbie, tornei-me uma consumista descontrolada. De verdade. Devo confessar que, hoje mesmo, fui a uma grande livraria e, seduzida por tantos títulos a preços promocionais, fiz compras que não devia: trouxe para casa Poe, Whitman e, para relaxar, um filme do Tim Burton. Consumismo de quem ganha pouco; se pudesse, teria trazido também mais uns Dickens, Proust e o box de As Mil e Uma Noites. Puro consumismo.
Há meses, clareei meus cabelos, naturalmente pretos retintos: tive de fazer isso para chegar ao vermelho vivo que tanto desejava.
E preocupo-me com minha forma física, claro. Estou numa dieta extremamente restritiva: troquei o chocolate ao leite pelo amargo.
Agora, quanto a ser puta, olha, como eu disse, ganho pouco. Se fosse uma puta de "nível universitário", não teria utilizado esse argumento. Talvez devesse ter aprendido com a Barbie a agarrar um cara rico, afinal, se ela nem curte o Ken mas está com ele há tantos anos, deve ser por interesse.
Minha mãe, que me dava as Barbies de presente, hoje em dia se preocupa com o fato de eu gastar a maior parte do que sobra do salário em livros. Mas foi ela que me ensinou a ser consumista, não foi? Dar Barbies de presente à sua filhinha e levá-la à biblioteca pode ser uma combinação perigosa. E foi por isso que, logo que parei de brincar de bonecas, passei a dedicar grande parte do meu tempo aos livros.
E não fui a única! A maioria das minhas amigas brincava de Barbie na infância. Uma delas, inclusive, redecorou o quarto recentemente e o pintou de "rosa Barbie". Precisou fazer as mudanças no cômodo para abrigar a coleção de livros, que já não cabia nas prateleiras. E isso porque a mãe dela não era tão adepta da leitura quanto a minha!
Interessante, não? Uma boneca não fez de mim uma vadia superficial e interesseira. Aliás, duvido que uma boneca seja capaz de fazer de qualquer menina uma vadia. A educação (ou a falta dela) é que faz.
Qual a culpa da boneca? Ser linda, rica, loira e magra? Eu nunca quis ser loira, embora ficasse feliz com uns quilinhos a menos. E ser rica, bom, deve ser legal, mas entre ser rica e estudar Letras, escolhi a segunda opção. Assim como tantas meninas (hoje mulheres) que conheço.
E quer saber mais uma coisa? Se algum dia eu tiver uma filha, ela terá todas as Barbies que quiser. Até me imagino brincando com ela: "Olha só, filha, agora sua Barbie tem um carro! Sabe como ela conseguiu comprar um carro? Trabalhando. Ela já teve várias profissões, lembra? Veterinária, médica, executiva. Ela trabalha pra conseguir o que quer".
Peraí, Barbie executiva? Ok, voltei demais no tempo. Acho que a mosqueteira é mais recente. Vamos lá de novo. "Olha que legal filha, ela é mulher, mas também pode ser forte e lutar".
Entende meu ponto, senhora del Priore? A culpa não é da boneca, coitada. É da criação e de todas as influências que vêm com ela. Mas não só da Barbie. Aliás, tenho de dizer: adoro a Barbie. As minhas me fizeram companhia durante muitas tardes, e ainda tenho a maioria delas, embora hoje colecione Monster High (que, espero, não incentive nenhuma menina dessa geração a se tornar um monstro).
No restante, adorei seu texto e concordo com ele. Principalmente com o que você diz sobre a Tati Quebra-Barraco. Aquilo foi ótimo.
***********************
domingo, 12 de maio de 2013
São Paulo, Brasil - 24 de maio de 1975
São Paulo, Brasil –
24 de Maio de 1975
Minha querida,
Confesso
que surpreende-me ser chamada de “querida” por você, justo você, que me chamava
“caríssima” apenas para me provocar, pois eu dizia que o tratamento soava por
demais formal e distante. Ainda assim, você bem sabe que eu lhe perdoaria todos
os “caríssimas” que dirigisse a mim, apenas pela alegria que me dá finalmente
receber notícias suas.
Não encontro palavras para expressar o alívio que sinto
por saber que está bem; na época de seu sumiço, cheguei a pensar no pior.
Procurei notícias suas com todos os amigos, mas as informações estavam
desencontradas.Ouvi dizer que você tinha ido para o interior usando documentos
falsos. Semanas depois me disseram que estava na França, mas sei que você nunca
foi boa em francês, e não confiei na informação. Depois de um tempo, uma parte
de mim deixou de acreditar que algum dia eu saberia novamente notícias suas –
notícias de minha querida.
Como esquecer o ano de 69? Foi o ano do nosso vendaval.
Ainda hoje me lembro de você batendo à minha porta, em desespero, ofegante. Foi
arriscado, sim. Mas quem, naquela época, não se arriscou para dar abrigo a um
camarada? E você era bem mais que um camarada para mim, e continua sendo.
Lembro que também chorei pela Ritinha. Que guerreira, aquela. Morreu como
viveu: lutando pelo que acreditava, sem medo de nada. Deveria haver mais
Ritinhas no mundo.
Você citou meu apartamento na 24 de Maio. Ainda hoje,
guardo muitas lembranças daquele lugar, boas e ruins. Me lembro das nossas reuniões
clandestinas, todos reunidos na minha sala, discutindo política, bolando planos
de ação. Lembro que estávamos lá quando o Alê chegou às pressas, dizendo que os
militares haviam pego o Marcos. As lembranças permanecem, mas o apartamento
não. Deixei-o pouco depois do seu desaparecimento: a movimentação noturna
estava começando a levantar suspeitas. Voltei para o apartamento de minha mãe,
naquele grande prédio na Avenida Ipiranga, embora passasse pouquíssimo tempo
por lá.
Estou hesitando. Como contar a você tudo o que vivi desde
então? Faz pouco mais de um ano que não nos vemos, e nossas vidas estão tão
mudadas, mudadas como o tempo costuma mudar aqui em São Paulo, de uma hora pra
outra, sem nenhum aviso.
Nem todas as minhas notícias são boas. Há seis meses, meu
pai sucumbiu àquele câncer que o atormentava. Foi uma época difícil pra mamãe e
eu. Alugamos a sala onde ele tinha a alfaiataria, na Avenida São João, e agora
ali funciona uma loja de artigos finos.
Quanto à guerrilha, fui obrigada a me afastar. Primeiro,
pela minha mãe. Você sabe, ela é professora de estatística na USP, e embora o
pessoal de humanas sempre seja mais suspeito para os militares, eu não podia
colocá-la em risco, e algumas suspeitas já começavam a surgir em torno da filha
dela.
Também não concluí meu curso de Direito na São Francisco.
Sinto falta da universidade. Não só das aulas, mas de andar pelos corredores,
tocar nos corrimãos onde tantos personagens importantes da nossa história
tocaram antes de mim. Sempre que eu passava pelo busto de Álvares de Azevedo,
eu lembrava de você. Sinto falta daquele bar na São Bento, onde costumava beber
e conversar com os colegas depois das aulas, onde você ia nos encontrar de vez
em quando.
Sinto falta também do Valtinho. Lembra do Valtinho, aquele
de quem eu te falava? Estudava na minha classe. De repente, alguém batia na
porta, fazia um sinal e ele saía correndo. Estava sempre sendo perseguido, mas
continuava na luta. Ele aparecia nas nossas reuniões de vez em quando: cabelos
escuros enrolados, olhos verdes, só um pouco mais alto do que eu. Como posso
lhe dizer? Eu me envolvi com o Valtinho, pouco depois da morte do meu pai.
Entenda, eu estava arrasada: havia acabado de perder meu
pai, e a cada dia tinha mais certeza de que perdera também você. Não éramos
próximos na época, ainda assim ele me ofereceu todo o conforto de que eu necessitava.
Foi meu suporte, meu pilar, minha fonte de forças. Passamos alguns meses
juntos. Minha mãe não gostava dele, dizia que era uma companhia perigosa, que
eu levantaria ainda mais suspeitas de subversão enquanto estivesse com ele. Mas
era o que eu queria, o que eu precisava naquele momento... não dei ouvidos.
Um dia, o Valtinho sumiu. Ou, mais precisamente, sumiram
o Valtinho. Passou-se mais de uma semana sem que ninguém soubesse dele, nem os
amigos, nem a família, nem ninguém. Até uma noite quando, segundo uma vizinha,
um furgão parou na frente da casa dos pais dele na Móoca e ele foi largado na
calçada. Irreconhecivel, Cinzia, ele estava irreconhecível. Parecia uns sete
quilos mais magro. Metade dos dentes arrancados, assim como as unhas. O rosto,
desfigurado pelos espancamentos. Mas isso tudo não era nada... todas essas
feridas poderiam ser tratadas. O mais assustador era a mente dele, Cinzia. Ele
perdeu a razão. Completamente. Não nos reconhecia, não sabia onde estava,
assustado como uma criança.
Já tínhamos ouvido falar sobre camaradas que tiveram esse
fim, mas eu nunca tinha visto isso acontecer com alguém próximo a mim. Foi um
choque. Mais do que um choque. Isso tirou o chão sob os meus pés. Você sabe
como eu sou, sempre tão sensível aos acontecimentos e às coisas que me rodeiam.
Cheguei a adoecer, não comia, sentia-me constantemente enjoada. Minha mãe me
obrigou a ir ao médico. Então, ouvi a notícia que faria com que tivesse forças
para me reerguer e seguir em frente: eu estava grávida do Valtinho.
Você está surpresa? Imagine a surpresa que eu tive.
Grávida! Eu, que nunca tive a família como meu maior objetivo de vida! Grávida
de um homem que perdeu a razão, que nunca poderá ensinar um menino a empinar
pipa, ou uma filhinha a andar de bicicleta. Culpa dos militares. O cenário
político atual deixará para sempre uma marca na história deste país, e também
em nossas vidas.
Hoje
estou no terceiro mês de gravidez. Vendemos o grande apartamento na República,
pois estava difícil custear as despesas, ainda mais sem meu pai. Estamos agora
na Vila Buarque, num apartamento bem menor, mas que nos serve muito bem. No
próximo mês iremos comprar um berço e mais algumas coisas para o bebê. Você
sabe como vou chamá-lo, Cinzia? Se for um menino, vou chamá-lo Amadeus, em
homenagem a você. Lembro do quanto você ama Mozart. Aliás, ainda chora com a
Marcha Fúnebre? Seu disco ficou comigo, mas nunca mais o coloquei na vitrola.
Agora que sei que está bem, posso voltar a ouvi-lo.
Sua
carta me encheu de novos sonhos e esperanças. São tempos difíceis pelos quais
passamos, eu sei. Mas quero acreditar que logo poderemos estar juntas
novamente. Imagino que logo você poderá voltar ao Brasil, e então iremos os
quatro, eu, você, minha mãe e meu Amadeus (pois tenho certeza de que será um
menino) para o interior de Santa Catarina visitar minha avó, e tiraremos outra
foto debaixo daquela mesma macieira. Você vai ver como os biscoitos dela são
ainda melhores do que os meus, assados no forno à lenha. E vai reparar como
realmente não tenho sotaque, embora você sempre diga o contrário. Saí do Sul
ainda menina, o sotaque não me acompanhou. Vamos passear pelo sítio, eu, você e
Amadeus. Vou ver seu sorriso novamente, esse sorriso de eterna menina. E você
poderá me dar aquele beijo, aquele que ficou no ar, interrompido por uma porta
bruscamente aberta...
Agora
o sono começa a me vencer, embora ainda seja apenas nove horas da noite. A
gravidez tem me deixado sonolenta. Espero receber mais cartas suas, minha
querida. Cuide-se, e tome cuidado com esse frio. Não vá pegar outra gripe como
aquela que teve no inverno de 68, quando fomos acampar na Cantareira e você
insistiu que um cobertor apena era o suficiente.
E
não se sinta só. Meus pensamentos estão sempre com você, como sempre estiveram.
Como sempre estarão.
Com
saudade infinita,
Valentina
Bauer
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Reflexão
Hoje resolvi que arrastaria minha mãe para um passeio. Ela tem ficado muito em casa cuidando do meu pai doente e estava precisando se distrair um pouco.
Jundiaí não é exatamente uma cidade com muitas opções de entretenimento, e com o sol a pino e o calor inclemente, nossas poucas opções de programas que envolvessem local coberto e ar condicionado nos levaram ao novo shopping center da cidade.
Por acaso, minha mãe estava se sentindo mão-aberta, e voltinha aqui, olhadinha na vitrine ali, ela acabou me dando dois presentes: um vestido da Antix e um sapato da Arezzo. Não ligo pra marcas, mas adoro os vestidos românticos da Antix. Além disso, minha mãe comprou um par de sapatos e um par de brincos para ela.
Voltei pra casa toda feliz por ter ganhado coisas tão lindas. Como agradecimento ao Universo, separei uma pilha de roupas que não usava mais, para serem doadas.
Enquanto fazia isso, pensei que, por mais que (muitas vezes) eu reclame da vida, ainda assim tenho muita sorte por, além de não me faltar nada, poder ter coisas bonitas, ao passo que tanta gente não tem nem uma roupa quente para se proteger do frio. Pensando nisso, tirei ainda mais coisas do armário. Roupas em perfeito estado, que ainda podem servir para outras pessoas. Peças que não eram usadas há várias estações.
Quem nunca guardou algo por muito tempo pensando "algum dia voltarei a usar"? E nunca voltamos. E enquanto isso, a roupa está lá, encostada, enquanto poderia estar sendo usada por outra pessoa. Tendo isso em mente, me desapeguei de várias coisas, algumas que eu ainda gosto, mas para que guardar, se não for usar?
O Universo agradece. E quem não tem o que vestir, também.
domingo, 13 de janeiro de 2013
Desencaixotando lembranças
A arte é feita para inspirar, para iluminar e transformar pensamentos. Caso contrário, não tem razão de ser.
E mesmo a mais singela arte pode tocar alguém profundamente. E foi o que aconteceu comigo recentemente.
Há exatamente uma semana, assisti com dois amigos queridos ao filme "Toy Story 2". Um filme feito para crianças, mas que encantou muitos adultos. E que me fez pensar melhor sobre algumas coisas.
Quando criança, eu adorava bonecas. Gostava também de pelúcias, jogos e brincadeiras de rua, mas as bonecas eram minha brincadeira favorita. Não era muito chegada àquelas que imitavam bebês; preferia as Barbies e similares, que me faziam sonhar com o que eu seria quando fosse uma mulher também.
Minha família não era exatamente abastada, por isso minha mãe fazia as roupinhas diminutas, ao invés de comprá-las. E devo dizer, nenhuma das minhas amiguinhas tinha bonecas tão elegantes quanto as minhas: até um vestido parecido com o da Jessica Rabbit minhas Barbies ganharam, junto com um casaco de "peles".
Até pouco tempo, eu pensei que, mesmo que me desfizesse de todos os outros brinquedos, nunca me desfaria das minhas Barbies. Até pouquíssimo tempo. Até hoje, na verdade.
Depois de ter saído para almoçar com minha mãe e ter visto, no restaurante, várias famílias com crianças à mesa, fui tomada pelo saudosismo. Ao chegar em casa, abri as velhas caixas que ainda guardam minhas antigas Barbies.
Não foi muito bom o que vi: as roupinhas estavam amareladas, os cabelos, embaraçados. Algumas até começavam a mofar. Se eu gostava tanto desses brinquedos, por que os deixei assim?
A resposta é simples: não brinco mais com eles. Eu cresci. Embora ainda goste de bonecas para coleção, as bonecas com as quais brinquei ficaram esquecidas.
É aqui que entra a influência do filme citado no começo do texto: lembrei-me, naquela hora, da sequência onde a boneca Jesse conta sua história, a alegria de ter uma criança que a amava e a solidão que sentia quando foi abandonada, em uma caixa.
Fiquei pensando o que minhas bonecas, que foram companheiras de tantos anos, sentiriam se fossem animadas e tivessem uma vida secreta como os brinquedos do filme em questão.
Elas não estariam nada felizes, com certeza. Prefeririam estar com crianças que brincassem com elas.
Então, decidi: vou doá-las. As doarei para crianças que mal têm o que vestir, quem dirá com que brincar. As limparei e pentearei antes, claro. Ficarão lindas novamente. Uma conhecida encaminha doações para quem realmente necessita, sei que estarão em boas mãos.
E assim como me deram muitos anos de diversão e muitas boas lembranças, tenho certeza de que encantarão outras meninas.
E mesmo a mais singela arte pode tocar alguém profundamente. E foi o que aconteceu comigo recentemente.
Há exatamente uma semana, assisti com dois amigos queridos ao filme "Toy Story 2". Um filme feito para crianças, mas que encantou muitos adultos. E que me fez pensar melhor sobre algumas coisas.
Quando criança, eu adorava bonecas. Gostava também de pelúcias, jogos e brincadeiras de rua, mas as bonecas eram minha brincadeira favorita. Não era muito chegada àquelas que imitavam bebês; preferia as Barbies e similares, que me faziam sonhar com o que eu seria quando fosse uma mulher também.
Minha família não era exatamente abastada, por isso minha mãe fazia as roupinhas diminutas, ao invés de comprá-las. E devo dizer, nenhuma das minhas amiguinhas tinha bonecas tão elegantes quanto as minhas: até um vestido parecido com o da Jessica Rabbit minhas Barbies ganharam, junto com um casaco de "peles".
Até pouco tempo, eu pensei que, mesmo que me desfizesse de todos os outros brinquedos, nunca me desfaria das minhas Barbies. Até pouquíssimo tempo. Até hoje, na verdade.
Depois de ter saído para almoçar com minha mãe e ter visto, no restaurante, várias famílias com crianças à mesa, fui tomada pelo saudosismo. Ao chegar em casa, abri as velhas caixas que ainda guardam minhas antigas Barbies.
Não foi muito bom o que vi: as roupinhas estavam amareladas, os cabelos, embaraçados. Algumas até começavam a mofar. Se eu gostava tanto desses brinquedos, por que os deixei assim?
A resposta é simples: não brinco mais com eles. Eu cresci. Embora ainda goste de bonecas para coleção, as bonecas com as quais brinquei ficaram esquecidas.
É aqui que entra a influência do filme citado no começo do texto: lembrei-me, naquela hora, da sequência onde a boneca Jesse conta sua história, a alegria de ter uma criança que a amava e a solidão que sentia quando foi abandonada, em uma caixa.
Fiquei pensando o que minhas bonecas, que foram companheiras de tantos anos, sentiriam se fossem animadas e tivessem uma vida secreta como os brinquedos do filme em questão.
Elas não estariam nada felizes, com certeza. Prefeririam estar com crianças que brincassem com elas.
Então, decidi: vou doá-las. As doarei para crianças que mal têm o que vestir, quem dirá com que brincar. As limparei e pentearei antes, claro. Ficarão lindas novamente. Uma conhecida encaminha doações para quem realmente necessita, sei que estarão em boas mãos.
E assim como me deram muitos anos de diversão e muitas boas lembranças, tenho certeza de que encantarão outras meninas.
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Pó de fada
"A menina vive com os olhos nos livros e a cabeça nas nuvens".
Era isso o que costumavam falar dela.
E se importava? Não. Seguia assim seu caminho, com um livro nas mãos, os olhos fixos na leitura, os pés seguindo vagarosamente pelas calçadas. Mal notava as árvores pelas quais passava; nem que, apenas por muito pouco, não esbarrava em algumas delas.
Nos últimos dias, viajava pela Terra do Nunca com Peter Pan e Wendy, e juntos, voavam pelo céu estrelado com a ajuda do pó de fadas e derrotavam o Capitão Gancho.
"Que bobagem! Não vê que você não é mais criança? Tire essas histórias da cabeça: está na hora de crescer".
Que palavras duras de se ouvir! Mas não eram elas bem verdadeiras? Ela estava crescendo, e sabia. Há tempos já não parecia uma menininha: via no espelho uma jovem mulher. Entretanto, via também os olhos da menina que nunca abandonaria as histórias fantásticas que a faziam sonhar.
E então, veio a percepção: porque se contentar em ler apenas as histórias alheias? Iria escrever as suas próprias!
E assim passava seu dia, agora: entre ler e escrever, escrever e ler. Muitas histórias precisavam ser contadas.
"Menina, deixe de sonhar com essas histórias de fadas! Você vive no mundo real".
Ela concordou com a cabeça, muito séria. Mas por dentro riu-se, pois disso já sabia: vivia, sim, no mundo real. E aqui não precisava de pó de fadas para voar.
Para Gabriella Lara.
Era isso o que costumavam falar dela.
E se importava? Não. Seguia assim seu caminho, com um livro nas mãos, os olhos fixos na leitura, os pés seguindo vagarosamente pelas calçadas. Mal notava as árvores pelas quais passava; nem que, apenas por muito pouco, não esbarrava em algumas delas.
Nos últimos dias, viajava pela Terra do Nunca com Peter Pan e Wendy, e juntos, voavam pelo céu estrelado com a ajuda do pó de fadas e derrotavam o Capitão Gancho.
"Que bobagem! Não vê que você não é mais criança? Tire essas histórias da cabeça: está na hora de crescer".
Que palavras duras de se ouvir! Mas não eram elas bem verdadeiras? Ela estava crescendo, e sabia. Há tempos já não parecia uma menininha: via no espelho uma jovem mulher. Entretanto, via também os olhos da menina que nunca abandonaria as histórias fantásticas que a faziam sonhar.
E então, veio a percepção: porque se contentar em ler apenas as histórias alheias? Iria escrever as suas próprias!
E assim passava seu dia, agora: entre ler e escrever, escrever e ler. Muitas histórias precisavam ser contadas.
"Menina, deixe de sonhar com essas histórias de fadas! Você vive no mundo real".
Ela concordou com a cabeça, muito séria. Mas por dentro riu-se, pois disso já sabia: vivia, sim, no mundo real. E aqui não precisava de pó de fadas para voar.
Para Gabriella Lara.
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