segunda-feira, 25 de agosto de 2014

"Gosto de te ver ao sol, leãozinho"

Algum dia vou escrever pra você.”
“Não, não vai.”
Foi isso o que dissemos naquela segunda vez que dormimos juntos, na casa daqueles amigos, altas horas da madrugada. Mas eu sou a escritora rebelde, minha palavra é desobediente: escrevo agora como a criança que bate o pé. “Você não manda em mim.” Orgulho de virginiana.
Não que você não fosse gostar que eu te escrevesse. Pelo contrário, desde aquela época eu sei que você gostaria, de verdade, mas ficaria sem graça, logo você, o Senhor Sem Vergonha, o Pau pra Fora.
Mais tarde, você me disse que não sabia lidar com demonstrações de carinho, o que, veja bem, é uma grande ironia: troco meu coração por um cookie, mas cookies são doces. Renego o romantismo, mas não deixo de ser carinhosa. Você era um puto, mas um puto de alma lúdica e coração de ouro.
E assim passamos as semanas: eu, que não queria ninguém por perto, esperando uma mensagem, qualquer gracinha sua; você, sempre durão, fazendo pequenas amabilidades.
Você chegou no meu momento solitário, quando sentia-me dura e indesejável, e mudou tudo isso.
“Você me fez acreditar. E ver que, às vezes, mulheres são turronas, mas são fofas e gentis”, foram as suas palavras.
Agora só desejo que você seja estupidamente feliz, ronronando num colo mais amoroso que o meu, recebendo um sorriso mais leve. Que dure o tempo que tiver de durar. “Que seja doce.”
Desculpa, sei que te deixei sem graça de novo. Não fiz por mal. É que eu “gosto tanto de você, leãozinho”.



sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Às vezes acho que, se eu não te conhecesse, pensaria que você é uma personagem de alguma série, filme ou algo assim. Quer dizer, essa coisa de você escrever, ser solteira aos quase trinta, viver com vários gatos, colecionar bonecas e andar de calcinha e camiseta pela casa. Tem corpo de femme fatale e fígado de pedreiro. É caricato demais, sabe. Quase não convence.
− Tudo bem, me deixa analisar. Sou tão autêntica que pareço irreal, é isso? Sendo assim, para todos os efeitos, aquelas mulheres passeando nos shoppings com unhas de porcelana eternamente vermelhas, cabelos perfeitamente escovados e todos os problemas da vida escondidos atrás de camadas de maquiagem são a coisa real? Vi um exemplar esses dias na sorveteria, estava reclamando que está solteira. Talvez pareça uma ótima moça, mas seja superficial, entediante ou histérica.
− Ou paranoica.
− Paranoica sou eu, mas pelo menos não sou histérica, seria muito pior. A parte ruim de ser paranoica é que...
− ... você é paranoica.
− Olha, se você vai ficar completando minhas falas, a conversa acaba por aqui. O que eu queria dizer é que histérica é a pior coisa que uma mulher pode ser.
− Não, o pior é ser poeta.
− Não entendo como ser poeta pode ser ruim para alguém além dela mesma.
− Uma poeta pode acabar com a vida de um cara, mandá-lo pra debaixo da ponte existencial. Ela irá te imortalizar nos versos, pro bem ou pro mal. Mais provavelmente para o mal, porque nada inspira tanto quanto relação que acaba em merda. Basta uma Trova ao Mau Amante, uma Ode à Paumolescência, e pronto, não há terapia que recupere o cidadão.
− Sério? Pensei que o que acabasse com um homem fossem os intermináveis almoços de domingo em família, a hipoteca, a prestação da mini van, o joanete causado pelo sapato social, a novela das nove, o sexo morno com hora marcada, as confraternizações de fim de ano da empresa.
− Isso também, mas o efeito é homeopático. O cara agoniza por anos. Com a poesia é diferente: uma leitura de poucos minutos e já era, o serviço está feito.