domingo, 23 de junho de 2013

Ariranhas

Meu pai gostava de ariranhas.
E de assistir a concertos de música clássica na televisão, de tortas de banana e do Frank Sinatra. De tocar piano nas manhãs dos fins de semana, acordando quem ainda estivesse dormindo, de pintar quadros escuros abstratos e de falar ao telefone com os amigos de longa data. De ler revistas, de vinho tinto e dos Demônios da Garoa. Também gostava de gritar com a gente de vez em quando.
Gostava de ver reportagens sobre ufologia e assuntos sobrenaturais, e achava ridículo o medo que eu tinha dessas coisas quando criança.
Gostava de contar histórias de quando voava de avião e saltava de asa-delta e usava gravatas-borboleta. De me contar a história de uma boneca estragada que ganhou vida porque encontrou alguém que a amava como ela era.
Gostava de saber que eu estava aprendendo francês e violino.
Mas agora mesmo, o que me fez chorar foi que, depois de tantos anos, senti vontade de ir ao zoológico, e lembrei que meu pai gostava mais das ariranhas.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Em defesa da Barbie

“A Barbie ensina as crianças a serem putas”, disse a historiadora Mary del Priore ao site da revista TPM numa entrevista há alguns anos, a qual li recentemente. Segundo ela, as Barbies transformam as meninas em mulheres fúteis e consumistas, que só pensam em roupas e em fitness. E não estão nem aí pro Ken, aquele pobre diabo apaixonado (a descrição é por minha conta).
Mas será?
Não posso falar por todas as meninas que brincaram de Barbie nem por todas as putas, mas posso falar por mim.
E digo que a senhora del Priore está certa. Eu, que a certo ponto da infância passei a rejeitar as bonecas bebês e a desejar só bonecas Barbie, tornei-me uma consumista descontrolada. De verdade. Devo confessar que, hoje mesmo, fui a uma grande livraria e, seduzida por tantos títulos a preços promocionais, fiz compras que não devia: trouxe para casa Poe, Whitman e, para relaxar, um filme do Tim Burton. Consumismo de quem ganha pouco; se pudesse, teria trazido também mais uns Dickens, Proust e o box de As Mil e Uma Noites. Puro consumismo.
Há meses, clareei meus cabelos, naturalmente pretos retintos: tive de fazer isso para chegar ao vermelho vivo que tanto desejava.
E preocupo-me com minha forma física, claro. Estou numa dieta extremamente restritiva: troquei o chocolate ao leite pelo amargo. 
Agora, quanto a ser puta, olha, como eu disse, ganho pouco. Se fosse uma puta de "nível universitário", não teria utilizado esse argumento. Talvez devesse ter aprendido com a Barbie a agarrar um cara rico, afinal, se ela nem curte o Ken mas está com ele há tantos anos, deve ser por interesse.
Minha mãe, que me dava as Barbies de presente, hoje em dia se preocupa com o fato de eu gastar a maior parte do que sobra do salário em livros. Mas foi ela que me ensinou a ser consumista, não foi? Dar Barbies de presente à sua filhinha e levá-la à biblioteca pode ser uma combinação perigosa. E foi por isso que, logo que parei de brincar de bonecas, passei a dedicar grande parte do meu tempo aos livros.
E não fui a única! A maioria das minhas amigas brincava de Barbie na infância. Uma delas, inclusive, redecorou o quarto recentemente e o pintou de "rosa Barbie". Precisou fazer as mudanças no cômodo para abrigar a coleção de livros, que já não cabia nas prateleiras. E isso porque a mãe dela não era tão adepta da leitura quanto a minha!
Interessante, não? Uma boneca não fez de mim uma vadia superficial e interesseira. Aliás, duvido que uma boneca seja capaz de fazer de qualquer menina uma vadia. A educação (ou a falta dela) é que faz. 
Qual a culpa da boneca? Ser linda, rica, loira e magra? Eu nunca quis ser loira, embora ficasse feliz com uns quilinhos a menos. E ser rica, bom, deve ser legal, mas entre ser rica e estudar Letras, escolhi a segunda opção. Assim como tantas meninas (hoje mulheres) que conheço.
E quer saber mais uma coisa? Se algum dia eu tiver uma filha, ela terá todas as Barbies que quiser. Até me imagino brincando com ela: "Olha só, filha, agora sua Barbie tem um carro! Sabe como ela conseguiu comprar um carro? Trabalhando. Ela já teve várias profissões, lembra? Veterinária, médica, executiva. Ela trabalha pra conseguir o que quer".
Peraí, Barbie executiva? Ok, voltei demais no tempo. Acho que a mosqueteira é mais recente. Vamos lá de novo. "Olha que legal filha, ela é mulher, mas também pode ser forte e lutar".
Entende meu ponto, senhora del Priore? A culpa não é da boneca, coitada. É da criação e de todas as influências que vêm com ela. Mas não só da Barbie. Aliás, tenho de dizer: adoro a Barbie. As minhas me fizeram companhia durante muitas tardes, e ainda tenho a maioria delas, embora hoje colecione Monster High (que, espero, não incentive nenhuma menina dessa geração a se tornar um monstro).
No restante, adorei seu texto e concordo com ele. Principalmente com o que você diz sobre a Tati Quebra-Barraco. Aquilo foi ótimo.



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