domingo, 13 de janeiro de 2013

Desencaixotando lembranças

A arte é feita para inspirar, para iluminar e transformar pensamentos. Caso contrário, não tem razão de ser.
E mesmo a mais singela arte pode tocar alguém profundamente. E foi o que aconteceu comigo recentemente.
Há exatamente uma semana, assisti com dois amigos queridos ao filme "Toy Story 2". Um filme feito para crianças, mas que encantou muitos adultos. E que me fez pensar melhor sobre algumas coisas.
Quando criança, eu adorava bonecas. Gostava também de pelúcias, jogos e brincadeiras de rua, mas as bonecas eram minha brincadeira favorita. Não era muito chegada àquelas que imitavam bebês; preferia as Barbies e similares, que me faziam sonhar com o que eu seria quando fosse uma mulher também.
Minha família não era exatamente abastada, por isso minha mãe fazia as roupinhas diminutas, ao invés de comprá-las. E devo dizer, nenhuma das minhas amiguinhas tinha bonecas tão elegantes quanto as minhas: até um vestido parecido com o da Jessica Rabbit minhas Barbies ganharam, junto com um casaco de "peles".
Até pouco tempo, eu pensei que, mesmo que me desfizesse de todos os outros brinquedos, nunca me desfaria das minhas Barbies. Até pouquíssimo tempo. Até hoje, na verdade.
Depois de ter saído para almoçar com minha mãe e ter visto, no restaurante, várias famílias com crianças à mesa, fui tomada pelo saudosismo. Ao chegar em casa, abri as velhas caixas que ainda guardam minhas antigas Barbies.
Não foi muito bom o que vi: as roupinhas estavam amareladas, os cabelos, embaraçados. Algumas até começavam a mofar. Se eu gostava tanto desses brinquedos, por que os deixei assim?
A resposta é simples: não brinco mais com eles. Eu cresci. Embora ainda goste de bonecas para coleção, as bonecas com as quais brinquei ficaram esquecidas.
É aqui que entra a influência do filme citado no começo do texto: lembrei-me, naquela hora, da sequência onde a boneca Jesse conta sua história, a alegria de ter uma criança que a amava e a solidão que sentia quando foi abandonada, em uma caixa.
Fiquei pensando o que minhas bonecas, que foram companheiras de tantos anos, sentiriam se fossem animadas e tivessem uma vida secreta como os brinquedos do filme em questão.
Elas não estariam nada felizes, com certeza. Prefeririam estar com crianças que brincassem com elas.
Então, decidi: vou doá-las. As doarei para crianças que mal têm o que vestir, quem dirá com que brincar. As limparei e pentearei antes, claro. Ficarão lindas novamente. Uma conhecida encaminha doações para quem realmente necessita, sei que estarão em boas mãos.
E assim como me deram muitos anos de diversão e muitas boas lembranças, tenho certeza de que encantarão outras meninas.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Pó de fada

"A menina vive com os olhos nos livros e a cabeça nas nuvens".
Era isso o que costumavam falar dela.
E se importava? Não. Seguia assim seu caminho, com um livro nas mãos, os olhos fixos na leitura, os pés seguindo vagarosamente pelas calçadas. Mal notava as árvores pelas quais passava; nem que, apenas por muito pouco, não esbarrava em algumas delas.
Nos últimos dias, viajava pela Terra do Nunca com Peter Pan e Wendy, e juntos, voavam pelo céu estrelado com a ajuda do pó de fadas e derrotavam o Capitão Gancho.
"Que bobagem! Não vê que você não é mais criança? Tire essas histórias da cabeça: está na hora de crescer".
Que palavras duras de se ouvir! Mas não eram elas bem verdadeiras? Ela estava crescendo, e sabia. Há tempos já não parecia uma menininha: via no espelho uma jovem mulher. Entretanto, via também os olhos  da menina que nunca abandonaria as histórias fantásticas que a faziam sonhar.
E então, veio a percepção: porque se contentar em ler apenas as histórias alheias? Iria escrever as suas próprias!
E assim passava seu dia, agora: entre ler e escrever, escrever e ler. Muitas histórias precisavam ser contadas.
"Menina, deixe de sonhar com essas histórias de fadas! Você vive no mundo real".
Ela concordou com a cabeça, muito séria. Mas por dentro riu-se, pois disso já sabia: vivia, sim, no mundo real. E aqui não precisava de pó de fadas para voar.



Para Gabriella Lara.