quarta-feira, 3 de julho de 2013

Misunderstood

Caminhava pela noite de jaqueta de couro e coturnos, a passos pesados e apressados, mas era a suavidade de um jazz que fluía pelos fones de ouvido do music player, enquanto Nina Simone cantava apenas para ela. A voz encorpada, negra e melancólica, reverberava nas lembranças de momentos atrás e apertava-lhe o coração como a prensa da saudade, mas ainda não havia motivo para isso. Ou havia? Era melhor não questionar demais.

"Doncha know that no one alive can always be an angel?
When everything goes wrong you see some bad"

Ela detestava clichês, frases de efeito, sabedorias de porta de banheiro de rodoviária. E detestava especialmente saber que tudo isso continha verdades irrefutáveis, por mais medíocres que soassem - talvez as verdades fossem isso, afinal: mediocridades. E a verdade que a assombrava naquele instante era a de que as palavras ditas não voltam atrás. Partiram. Até nunca mais. Adieu.

"Well I'm just a soul whose intentions are good

E as palavras soltam-se como que por vontade própria, ou pela necessidade de culpar alguém pela miséria, e fazem lá seu espetáculo, e depois abrigam-se na memória, em uma grande cama de dossel ou num canto empoeirado,mas que diferença faz? A questão é que se instalam, mesmo não convidadas.

"Life has its problems
and I get more than my share"

Em algum outro contexto, serviria como consolo saber que uma das detestáveis sabedorias populares estava errada: é sempre tarde demais. Mas agora, não servia de nada. Os passos iam no mesmo ritmo do coração, e eram bem apertados. Se o que os apertava era a lembrança da conversa por telefone aquela noite, de um corpo branco num caixão ou de uns braços num abraço que não era o seu, não saberia dizer.

Mas sabia que a próxima música da playlist era Remind me, e isso não ajudava em nada.