− Às vezes acho que, se eu não te conhecesse, pensaria que
você é uma personagem de alguma série, filme ou algo assim. Quer dizer, essa
coisa de você escrever, ser solteira aos quase trinta, viver com vários gatos,
colecionar bonecas e andar de calcinha e camiseta pela casa. Tem corpo de femme fatale e fígado de pedreiro. É caricato demais,
sabe. Quase não convence.
− Tudo bem, me deixa analisar. Sou tão autêntica que pareço irreal, é isso?
Sendo assim, para todos os efeitos, aquelas mulheres passeando nos shoppings
com unhas de porcelana eternamente vermelhas, cabelos perfeitamente escovados e
todos os problemas da vida escondidos atrás de camadas de maquiagem são a coisa
real? Vi um exemplar esses dias na sorveteria, estava reclamando que está
solteira. Talvez pareça uma ótima moça, mas seja superficial, entediante ou
histérica.
− Ou paranoica.
− Paranoica sou eu, mas pelo menos não sou
histérica, seria muito pior. A parte ruim de ser paranoica é que...
− ... você é paranoica.
− Olha, se você vai ficar completando minhas
falas, a conversa acaba por aqui. O que eu queria dizer é que histérica é a
pior coisa que uma mulher pode ser.
− Não, o pior é ser poeta.
− Não entendo como ser poeta pode ser ruim
para alguém além dela mesma.
− Uma poeta pode acabar com a vida de um cara,
mandá-lo pra debaixo da ponte existencial. Ela irá te imortalizar nos versos,
pro bem ou pro mal. Mais provavelmente para o mal, porque nada inspira tanto
quanto relação que acaba em merda. Basta uma Trova ao Mau Amante, uma Ode à
Paumolescência, e pronto, não há terapia que recupere o cidadão.
− Sério? Pensei que o que acabasse com um
homem fossem os intermináveis almoços de domingo em família, a hipoteca, a
prestação da mini van, o joanete causado pelo sapato social, a novela das nove,
o sexo morno com hora marcada, as confraternizações de fim de ano da empresa.
− Isso também, mas o efeito é homeopático. O
cara agoniza por anos. Com a poesia é diferente: uma leitura de poucos minutos
e já era, o serviço está feito.
wow o.O
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