segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O intolerável era: ela era escritora.
Pouco importavam os olhos claros, os cabelos longos, a educação privilegiada, os certificados dos cursos de francês, violino, canto, dança, teatro.
O inferno era o fato dela ser escritora. De poder citar Poe e Guimarães Rosa e Vinícius e Camões e Gonçalves Dias.
Ela não precisava buscar no Google para saber quem seria Manoel de Barros.
E era uma devassa, claro. Todos os escritores são. A própria história da Literatura confirma isso. As perversões de Sade. Os escândalos de Oscar Wilde. A licenciosidade de Rimbaud e Verlaine. Charles Dickens, então, santo Cristo: um potencial para escandalizar toda a Inglaterra vitoriana.
Havia ainda a relação desajustada dos Fitzgerald. “A geração perdida”. O que esperar de gente com essa alcunha? E o maldito Bukowski, inspiração degenerada de milhares de jovens incautos. Um dos favoritos dela.
Não se podia confiar em uma escritora que admirava Simone de Beauvoir. Sua relação com Sartre sequer devia ser chamada de casamento. Qualquer mulher de bem sabia disso. E sabia também manter distância segura de Anaïs Nin e sua escrita pornográfica. Até o nome da cretina era pornográfico, que vexame.
Escritores são depravados. Poetas ainda mais. Castro Alves e suas muitas amantes, por exemplo. E Edgar Allan, poeta de muitas musas. Crápulas.
Todos os vícios podem ser encontrados nos escritores. Basta ler algumas páginas de Baudelaire para saber disso.
Mas os mais abomináveis e sórdidos vícios, aqueles que realmente ameaçavam a sociedade, não eram os “Paraísos Artificiais”. Eram, antes, o dom da dialética, a cultura, a paixão, a avidez pelo saber, a análise crítica. E o pior de tudo: a liberdade de pensamento. Para onde iriam os bons costumes desse jeito?

Que Deus nos livrasse dos escritores.

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