O intolerável era: ela
era escritora.
Pouco importavam os olhos
claros, os cabelos longos, a educação privilegiada, os certificados dos cursos
de francês, violino, canto, dança, teatro.
O inferno era o fato dela
ser escritora. De poder citar Poe e Guimarães Rosa e Vinícius e Camões e
Gonçalves Dias.
Ela não precisava buscar
no Google para saber quem seria Manoel de Barros.
E era uma devassa, claro. Todos os escritores são. A própria história da Literatura confirma isso.
As perversões de Sade. Os escândalos de Oscar Wilde. A licenciosidade de
Rimbaud e Verlaine. Charles Dickens, então, santo Cristo: um potencial para
escandalizar toda a Inglaterra vitoriana.
Havia ainda a relação desajustada
dos Fitzgerald. “A geração perdida”. O que esperar de gente com essa alcunha? E
o maldito Bukowski, inspiração degenerada de milhares de jovens incautos. Um
dos favoritos dela.
Não se podia confiar em
uma escritora que admirava Simone de Beauvoir. Sua relação com Sartre sequer
devia ser chamada de casamento. Qualquer mulher de bem sabia disso. E sabia
também manter distância segura de Anaïs Nin e sua escrita pornográfica. Até
o nome da cretina era pornográfico, que vexame.
Escritores são
depravados. Poetas ainda mais. Castro Alves e suas muitas amantes, por exemplo.
E Edgar Allan, poeta de muitas musas. Crápulas.
Todos os vícios podem ser
encontrados nos escritores. Basta ler algumas páginas de Baudelaire para saber
disso.
Mas os mais abomináveis e
sórdidos vícios, aqueles que realmente ameaçavam a sociedade, não eram os “Paraísos
Artificiais”. Eram, antes, o dom da dialética, a cultura, a paixão, a avidez pelo
saber, a análise crítica. E o pior de tudo: a liberdade de pensamento. Para onde
iriam os bons costumes desse jeito?
Que Deus nos livrasse dos
escritores.
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